Quando muito pequena (três anos por aí) levada a um cinema, durante a projeção sobre um documentário sobre a França, apareceu a Torre Eiffel. Lacy apontou com o dedo e gritou: "Paris"??!!.

Noutra ocasião em que ela estava dançando na sala, perguntaram o que é que ela queria ser quando crescesse, respondeu em alto e bom som "Atriz"??!! Isso num meio sem nenhum vinculo com qualquer tipo de atividade artística por parte do pai e da mãe.

Mas o avô materno, Luiz, era uma apaixonado por teatro, principalmente ópera, indo 'a Itália sempre que podia e só, para ir ao Scala de Milão assistir aos belos espetáculos.

Em casa, a irmã mais velha, Marcia, possuia uma belíssima voz de soprano e queria seguir carreira. Nem pensar. A mãe e o pai jamais permitiriam.

Lacy foi crescendo naquele ambiente limitado cercada por disciplina férrea de todos os lados, em casa e no Colégio São José em São Paulo. Mas apesar de tudo, dava seu trabalho.

Leitora voraz, desde os cinco anos aprendeu a ler, não aceitava facilmente o que lhe era imposto nas aulas diárias de religião e volta e meia era encaminhada para o gabinete da Madre Superiora, que pasmem, ouvia com interesse as objeções da guria, ela, Madre, e grande parte das mestras eram francesas, e respondia quase sempre de forma clara e inteligente 'as perguntas. O que não tinha explicação era "dogma" e ponto final.

No fim do ano de 1946, por motivo financeiro, teve que parar de estudar. Usava o tempo livre para "morar" na Biblioteca Pública de São Paulo e frequentar a espetacular biblioteca privada do prof. Machado, pai de sua melhor amiga, Cecília.

Através desse professor que reconhecia a fome de cultura de que padecia Lacy, obteve a licença especial do pai dela, Gabriel, de ir assistir a uma conferência de Pascoal Carlos Magro, na já citada e premonitória, Biblioteca Pública.

1948 - Ano da revolução na vida da garota Lacy de dezenove anos. Ao sair da conferência (que era para dar conta da formação da Escola de Arte Dramática de São Paulo), no hall da Biblioteca já fez sua inscrição. Conseguiu na mesma Biblioteca a peça "Demônio familiar" de Martins Penna, escolheu uma cena, e ajudada pela irmã Marcia, que estava achando aquilo tudo uma loucura, e com a única fonte de atuar que tinha, rádio-teatro, a estudar o papel e fazer o teste.Passou. Pediu um prazo de quinze dias a Alfredo Mesquita e ajudada pelos deuses do teatro, abriu-se uma vaga no IAPI (INSS atual), onde Márcia trabalhava, aprendeu a escrever à máquina em dez dias (financiada pela irmã Marcia, visto que não tinha um níquel de seu) e passou também no teste do emprego.

Domingo. A família reunida para o almoço e Lacy pede a palavra. "'A paritr de segunda-feira começo a trabalhar". Espanto geral. "E vou estudar a arte". Mal estar por parte do pai. " Vai estudar o que?" - "Arte dramática". A casa caiu. Ela deixou cair."Quem sai de casa para trabalhar pode sair para estudar o que quizer". Ganhou a chave da porta da rua das mãos do pai que morreu sem nunca tê-la visto atuar. Gaúcho é fogo."

Monah Delacy



Declaração da irmã Amabile à Monah

Com garra, coragem, vontade, amor e talento Lacy tornou-se a atriz Monah Delacy.

Eu pude acompanhar todos os passos da corajosa jovem que enfrentou nossos pais e família,´para seguir o que ela realmente amava : O TEATRO.

Lacy tem 6 anos mais que eu e era a irmã mais próxima a mim, pois os outros 2 eram 11 e 13 anos mais velhos. Lacy era a minha guia. Com ela aprendi a andar de bicicleta, nadar etc.

São muitas as recordações de infância que não caberiam num relatório. Desde que eu me entendo por gente em casa bricavamos muito de teatrinho. Convidávamos as crianças vizinhas e montávamos a platéia com cadeiras. Aí, dançávamos, cantávamos e representávamos.

Destas sementes jogadas, a única que germinou e cresceu foi a da Lacy.

Tivemos o privilegio de viver em uma era de maior inocência, onde tudo era mais tranqüilo e assim nossa infância foi povoada de muita imaginação.

Íamos aos domingos às matinês de cinema e, se víssemos dançarinos, ao chegar em casa tentávamos imita-los.

Lacy era fã do Frank Sinatra e havia um programa de rádio a tarde só de músicas dele. Ah, toda tarde ela se punha a ouvi-lo e fazia álbuns de fotos dele. Era uma paixão.

Por copiarmos o que víamos nos filmes começamos a participar do Clube Arapuã, formado por jovens que se reuniam nas casas para dançar, principalmente o Swing, a dança da moda. Quantos bailinhos fizemos em casa e na casa das amigas Cecília e Tarcila. Também influenciadas pelas lindas árvores de natal que se viam nos filmes e também nas casas de estrangeiros nossos vizinhos, resolvemos montar nossa 1ª árvore porque em casa só se montava presépio. Então Lacy, Gilberto nosso vizinho e eu, fomos numa chácara de Dona Ida, próxima a nossa casa, buscar um pinheiro e o trouxemos com a maior dificuldade pois estávamos a pé. Depois fomos para o centro da cidade nas Lojas Americanas comprar uns enfeites que vinham de fora. Bolas, festões etc. E aí orgulhosamente montamos nossa 1ª árvore e pela primeira vez houve realmente um clima de natal em nossa casa. Foi para nós uma noite mágica.

Bem, seguimos estudando. Lacy fez vários cursos. Depois de assistir uma palestra de Paschoal Carlos Magno ela finalmente tomou a sua decisão e, em pouco menos de um mês fez um teste para a Escola de Arte Dramática e passou também no teste para o IAPI e um ano e meio depois começou a trabalhar com Ciccilo Matarazzo. E, por força do emprego, teve que fazer o curso de biblioteconomia no Mackenzie. A Escola era frequentada por muitos artistas e intelectuais : Cacilda, Ziembinsky, Almeida Prado e outros. Lacy foi uma das primeiras matriculadas. Muitas vezes eu a acompanhava na escola. Era em cima do atual TBC, e cheguei a participar de uma apresentação. A certa altura tinha que ter uma bailarina, dançando a Dança do Fogo, e lá fui eu dançar. Nesta altura de nossas vidas fomos muito companheiras. Fomos muito a teatro e balés no Municipal, e confesso devo a ela também,parte de minha cultura. Depois veio a fase dos namoros e como sempre, era eu a mais nova, "que segurava vela". Teve um namorado, culto, inteligente que gostava muito da Lacy e queria realmente casar mas, a única condição imposta era que ela abandonasse o teatro.

Ela abandonou o namorado. Aí começou o namoro com o Geraldo, que foi sem dúvida alguma a grande paixão da Lacy. Posso afirmar isto porque acompanhei todos os lances deste romance. Finalmente se casaram. Foi um inicio difícil, ambos lutando pela carreira e Geraldo terminando seu curso.

Tiveram o Marcinho e depois a Cristiane e me lembro que nesta altura eles se mudaram para a rua Paim e Lacy começou a trabalhar com Maria Della Costa e depois com Tônia Carrero.

Ela amamentava a Cristiane na coxia. Daí sua carreira começou efetivamente a deslanchar.

Pouco tempo depois resolveram ir para o Rio de Janeiro. Nunca mais estivemos tão juntas, mas também nunca perdemos o contato, porque longe dos olhos perto do coração.

Parabéns minha irmã. Você é uma vencedora! Não deixou a vida lhe levar ; você levou a vida.

Um beijo carinhoso desta sua irmã,

Amabile